21 de set. de 2016

TAMUYA THRASH TRIBE - The Last Of The Guaranis (álbum)



2016
Independente
Nacional

Nota: 10,0/10,0


Músicas:

CD 1: "The Last Of The Guaranis":

1. Oreru Nhamandú Tupã Oreru
2. The Voice of Nhanderu (Von)
3. Brado de Xangô
4. Senzala Favela
5. The Last Ball of the Empire
6. The Lastof the Guaranis
7. Vinte e Cinco
8. Violence and Blood
9. A Call from Xapuri
10. The Conjuration (Martyr)
11. Uratau's Cry
12. Háhé'm


CD 2: "United Remastered":

1. Immortal King
2. Agonising and Insufferable
3. 1814 
4. Missions
5. Uti Possidetis
6. Tamuya
7. Immortal King (versão acústica)
8. Tamuya (versão acústica)


Banda:


Luciano Vassan - Vocais, guitarras
Leonardo Emmanoel - Guitarras
J. P. Mugrabi - Baixo
Bruno Rabello - Bateria


Contatos:

Lanciare Comunicação (Assessoria de Imprensa): http://www.lanciare.com.br/

Texto: Marcos "Big Daddy" Garcia


Tão abandonadas, poucos entendem a beleza das culturas Yorubá (que vem dos africanos que para cá foram trazidos) e dos nossos indígenas. Sim, são tão belas e importantes como as que vêm da Europa. E nunca elas estiveram tão desprezadas pelo brasileiro. Ao mesmo tempo, é de doer o coração ver o quanto governo e ruralistas matam e depredam a terra, que é sagrada tanto para afrodescendentes quanto para indígenas. É nessas horas que o clamor da Terra, através das vozes dos orixás e deuses dos índios, que nos clamam "Parem", "entendam", "amem", "sejam iguais", pois existe espaço para todos no seio da Mãe-Terra igual e fraternalmente.

E uma das vozes em prol da igualdade de todos e pelo respeito à cultura dos índios e negros é o do quarteto carioca TAMUYA THRASH TRIBE, que após quatro anos de espera desde "United" (seu EP de estréia), finalmente lança seu primeiro álbum, "The Last Of The Guaranis". Mas a espera valeu cada mínimo segundo, pois o disco é uma experiência única, nova e extremamente instigante.

Antes de tudo, é preciso estabelecer que o TAMUYA THRASH TRIBE é uma banda de Thrash Metal com algumas influências do Death Metal. Mas é preciso destacar que tudo que a banda poderia render saiu de uma vez só em "The Last Of The Guaranis", pois vocês poderão ouvir a fina flor das culturas do índio e do africano permeando o álbum, na forma de cantos em Tupi-Guarani e mesmo na antiga língua dos Yorubás, participação de percussões. Sim, junto com o som bruto e agressivo (mas bem trabalhado) que todos já conhecem estão as influências da música brasileira, do folclore do nosso país, e mesmo toques da cultura do Nordeste estão presentes, enriquecendo e abrindo novos rumos para o trabalho musical do grupo.

Sim, o TAMUYA THRASH TRIBE evoluiu muito, foi ousado, e quem ganha com isso somos nós.

Sidney Sohn Jr. é o produtor do álbum, além de gravar as orquestrações e teclados do disco (sim teclados e orquestrações em um disco de Thrash Metal, para que possam perceber o nível de riqueza musical que temos em mãos). E a gravação de "The Last Of The Guaranis" foi feita estúdio Locomotiva. Para quem não sabe, Sidney tem no currículo trabalhos com Hermeto Pascoal, Pepeu Gomes, Milton Nascimento e outros, além de bandas de Metal como NORDHEIM e ANDRALLS, e masterizou discos de nomes como SACRIFICE, MX e IRON ANGEL. Logo, podemos ter a certeza que a gravação tem algo diferenciado, mas pesado e claro. Ou seja, conseguir associar tantos elementos musicais é um desafio, mas ele fez, e muito bem. Inclusive, em termos de timbres sonoros, eles foram sabiamente escolhidos.

Em termos de artes, ela realmente chama a atenção e emociona: ao olhar a frente desse Digipack especial (que só encontramos em alguns DVDs, raramente em CDs), uma criança indígena com a expressão triste e lágrimas nos olhos. Mas ao abrir, vemos que ela aponta uma arma para a cabeça. É uma clara alusão ao estado de estresse que o homem causa a eles com sua ganância, e o índio, tão ligado à terra, entra em desespero e se suicida (algo que é comprovado em pesquisas, mas que ignoramos em nossa frieza). Um belo trabalho de Isabelle Araújo, que soube dar corpo à idéia de Luciano (vocalista/guitarrista do grupo), e que se baseia em uma foto do fotojornalista Steve McCurry, conhecido mundialmente por suas fotos que mostram as pessoas em seu estado de maior desamparo, geralmente em áreas de conflito (a da capa é baseada em uma criança de Alto Churumazu, Yanesha, no Peru).


Uma aura densa e bem melancólica permeia a música agressiva do grupo, que soa como um brado inconformado com a realidade atual em favor dos menos afortunados, os vulneráveis, e aqueles que mais entendem a voz da Terra. E não se pode negar a beleza que permeia "The Last Of The Guaranis", advinda de arranjos bem feitos, a banda inteira funcionando como uma unidade, e isso sem mencionar os convidados especiais, listados abaixo.

Temos a beleza do coral de crianças Guarani Mbya em "Oreru Nhamandú Tupã Oreru" (onde violões, percussões e fiddle), Zândhio Aquino (guitarrista/vocalista do ARANDU ARAKUAA) na percussão e vocais em "The Voice of Nhanderu (Von)", o canto melodioso da Babalorixá Gleys Graden em "Brado de Xangô" (uma velha canção dos terreiros de Umbanda de Ivo de Carvalho), Mário Mamede e Dudu Bierrenbach (ambos Ogãs de cultos Afro-Brasileiros) nas percussões em "Senzala/Favela" e "The Conjuration (Martyr)", Paula Perez também nas percussões em "Senzala/Favela", "Violence and Blood" e "The Conjuration (Martyr)", os arranjos de Luigi Boccherini em "The Last Ball of the Empire", João Cavalcanti (conhecido vocalista da banda carioca de samba CASURINA) nos vocais em "Vinte e Cinco", Marcelo Peixoto (conhecido como Marcelo D2, vocalista do PLANET HEMP) nos vocais de "Senzala/Favela", e Zahyr Guajajara nos vocais femininos em "Háhé'm".

Analisar "The Last Of The Guaranis" não é simples, e exige do ouvinte que coloque de si na audição. Mas o que receberá em troca valerá muito mais que isso. É algo diferente, que toca nosso coração, mas sem fazer esforço. 

"Oreru Nhamandú Tupã Oreru" - É a intro do disco, sendo um canto tradicional dos Guarani Mbya, que fazem todo trabalho aqui. Em uma tradução livre, o título significa algo como “nossos pais são o Sol e o Trovão”, em clara referência à mitologia dos índios brasileiros. Vale comentar que as gravações dela ocorreram em Maricá (RJ), pelo coral de crianças da Aldeia Mata Verde Bonita, dento de uma oca. Não é à toa que realmente mexe com algo adormecido dentro de cada um de nós, algo bom.

"The Voice of Nhanderu (Von)" - A voz do Sol se faz ouvir, se propagando em uma canção agressiva e permeada por forte groove e muita energia crua. Mas está longe de ser uma faixa simplista (reparem nos detalhes das guitarras), com um ótimo refrão, além de partes cantadas em Tupi-Guarani. E os vocais são na maioria feitos de forma urrada, mas há momentos limpos e melodiosos das vozes, onde percussões e vocais limpos enternecem nossas almas. 

"Brado de Xangô" - É um cântico, ou como conhecidos nos centros de Umbanda, um ponto de Xangô, orixá que rege o fogo, as rochas, o trovão, e representa a justiça. Tudo é baseado na voz da Babalorixá Gleys Graden. E aqui sente-se a força positiva de que tanto falo acima.

"Senzala/Favela" - Um dos grandes momentos do disco. É uma faixa com o andamento mais lento e variado, permitindo que vejamos todo swing, técnica e feeling de baixo e bateria, que dão um show. Mas como é bom ouvir vocais mais limpos entremeados com outros mais agressivos, e ao mesmo tempo ouvir as percussões dando aquele toque latino precioso, ainda adornado pela voz de Marcelo D2, com seu jeito rapeado mulato (reparem bem nas palavras que ele pronuncia, dando um complemento à idéia de "Brado de Xangô"). No final, a voz de Gleys Graden saúda nosso Pai Xangô. Caô Cabecilê!

"The Last Ball of the Empire" - O fundo histórico da canção remete diretamente ao último baile da Monarquia brasileira, o Baile da Ilha Fiscal, que tentava mostrar o poder imperial do Brasil, que seis dias depois, foi destituído e nasce a República do Brasil. A canção é introduzida por um minueto, mas logo vemos uma canção com o ritmo que não é veloz ou lento, mas que fica entre estas concepções. Obviamente que algumas paradas rítmicas são ótimas, mostrando a dinâmica fluida e harmoniosa entre vocais, guitarras, baixo e bateria.

"The Last of the Guaranis" - Outra faixa que possui uma atmosfera tocante, e que emocionará o ouvinte. Há alguns efeitos eletrônicos interessantes em certos pontos, juntamente com percussões, e isso abrilhanta ainda mais o que a banda toca. Destaque para os riffs melodiosos da banda, bem como os backing vocals. E a letra deve ser lida, inculcada e compreendida, pois é um brado pela consciência do que a terra representa para o índio (e não, não me venham com "o índio é vagabundo e cachaceiro", já que este tipo de pensamento é preconceituoso e sem base científica/sociológica/histórica alguma. Quem disso algo assim é muito tacanho mesmo, precisa de mais uns anos no banquinho da escola).

"Vinte e Cinco" - Esta é uma belíssima música levada apenas em voz e violão, com um fundo bem melancólico e melodioso. É a história do cangaceiro José Alves de Matos, que entrou para o cangaço em 25/12/1933, e por isso recebeu a alcunha de "Vinte e Cinco", e por isso, a faixa nos narra um pouco sobre a tocaia dos Angicos (onde Lampião foi morto). E ele, 25, foi o último cangaceiro a falecer, em 2014.

"Violence and Blood" - Aqui vem uma faixa em que a inspiração é o cangaço, mostrando os lados inusitados dos cangaceiros, que eram assassinos impiedosos por um lado, mas extremamente religiosos por outro. Novamente, a banda usa de uma canção brutal e agressiva, com arranjos com algum groove melodioso nas guitarras que nos lembram algo do BLACK SABBATH em sua fase "Vol. IV"/"Sabbath Bloody Sabbath", mas perceberão também as percussões e o maracatu presentes aqui. E outro momento grandioso do álbum. E que belos solos melodiosos!

"A Call from Xapuri" - Uma faixa mais seca e bruta, no estilo que o TAMUYA THRASH TRIBE sempre fez, apenas com arranjos mais técnicos e grooveados no baixo. O andamento, guiado por uma bateria muito bem executada, é cadenciado e azedo, permitindo alguns arranjos bem singulares nas guitarras, e que o vocal se expresse com muita agressividade. Nas letras, o conflito violento entre colonos e empresários ruralistas contra índios e seringueiros que já moravam nas áreas a serem ocupadas (ou seja, mais uma herança maldita do governo militar), e na letra, entende-se a importância dos nomes de Wilson Pinheiro e Chico Mendes, líderes e símbolos da resistência.

"The Conjuration (Martyr)" - Melodias esmeradas nas guitarras (especialmente nos solos) são assentadas em um andamento cadenciado e pesado, onde baixo e bateria se permitem esboçar alguns momentos excelentes. E a riqueza de arranjos chega a ser comovente, bem como os momentos em que contos limpos e urrados duelam. Aqui, a banda conta a verdade suja por trás do movimento de independência da Inconfidência Mineira (cheio de elitistas que só estavam chateados pelas taxas cobradas pela coroa portuguesa sobre o ouro). E não deixem de reparar em percussões muito bacanas que permeiam a canção.

"Uratau's Cry" - Um piano sombrio introduz a música, que logo é entremeado por temas muito espontâneos das guitarras. E a canção tem uma aura densa e pesada, que não quebram o clima introspectivo, alternado por momentos brutos e opressivos. É quase uma música fúnebre, que transpira a lenda da índia Nheambiú, que foi transformada no lendário pássaro Uratau. Várias tribos brasileiras contam esta mesma lenda. 

"Háhé'm" - Esta é uma canção bem climática, recheada de uma aura bem carregada que é explicitada ainda mais por orquestrações sombrias. E é uma adaptação de uma poesia escrita por Zahy Guajajara (que participa com seus vocais na canção). Ela é uma ativista das causas indígenas, defensora dos direitos humanos dos mesmos, bem como tem projetos para a valorização e preservação da cultura dos índios, sendo ela mesma pertencente à etnia Guajajara Tenetehar. A canção é cantada na linguagem dos índios, e seu título significa "Gemido". E se deixarem rolar, tem uma "hidden track" no final, mas deixo para os ouvintes descobrirem a bela surpresa que os aguarda (é algo muito lindo, garanto).

E isso foi só o CD 1. 

No dois, temos a remasterização de "United", primeiro EP da banda, que aqui, tem umas surpresas.

A primeira é que as partes de baixo e bateria foram regravadas, e todo o áudio foi remasterizado. E com isso, vemos detalhes diferentes na cozinha rítmica de cada canção (que ficaram mais técnicas em algumas passagens). E as faixas realmente ganharam mais peso e agressividade com a remasterização.

A segunda são as duas faixas extras: as versões acústicas para "Immortal King" e "Tamuya", que foram feitas durante as gravações de "The Last Of The Guaranis", e elas mostram um lado mais intimista e experimental da banda, algo bem difícil no Brasil, senão inédito.

No mais, o TAMUYA THRASH TRIBE saiu do time das bandas promissoras para se tornar um dos grandes nomes do Metal nacional, e tem condições de atingir um público ainda maior com sua bandeira cultural e pesada, mas de bom gosto.

UNITED!
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