22 de set. de 2015

Arandu Arakuaa - Wdê Nnãkrda (CD)

2015 - Independente - Nacional

Nota 10,0/10,0

Texto: Marcos "Big Daddy" Garcia


Em tempos que, indo contra a maré das ditas tendências culturais em nosso país, o Metal parece estar redescobrindo as tendências musicais enraizadas em nosso país, e resgata a cultura mais primordial dessas terras. E um dos grupos mais preciosos e criativos nesse sentido é o quarteto ARANDU ARAKUAA, de Brasília (que tem outro representante forte nesse resgate, o MIASTHENIA). E para a alegria de todos, eis que o grupo retorna com seu segundo trabalho, "Wdê Nnãkrda".

Se em seu primeiro disco (o excelente "Kó Yby Oré", de 2013) eles já nos surpreendiam pela fusão de Metal com elementos da cultura dos nossos povos indígenas, podemos perceber que em "Wdê Nnãkrda" eles foram ainda mais além na fusão, estabelecendo de vez o que poderíamos classificar como Folk Metal do Brasil. Aqui, todos os elementos musicais remetem à música de raiz de nosso país (viola caipira) e elementos indígenas se contrastando com guitarras, baixo, bateria, teclados e vocais ora suaves, ora mais rascantes. E como sempre, as letras são em idiomas indígenas de nosso país (Akwẽ Xerente, Hêwaka Waktû, Tupi, Xavante) à exceção de "Povo Vermelho", cantada em português. Original, consistente e muito, muito bom.

Arandu Arakuaa
A produção e mixagem de "Wdê Nnãkrda" é de Caio Duarte (a mente por trás do DYNAHEAD), que soube dar uma roupagem limpa e clara nos momentos mais suaves, e um insight mais denso e agressivo nos momentos mais pesados, e os timbres instrumentais são muito bons. Ou seja, tudo feito de forma espontânea, mas bem cuidada. E a arte de Natalie e Bianca Duarte não é complexa, e consegue transpor as idéias líricas da banda para uma apresentação visual muito boa.

O trabalho do quarteto é, musicalmente falando, de uma riqueza enorme, com muitas variações rítmicas, mudanças de momentos agressivos para outros mais amenos e outros mais indígenas, com uma diversidade de arranjos muito boa. Mas a música, mesmo tão rica, não soa forçada ou cansa o ouvinte (mesmo porque as músicas possuem duração média de quatro minutos). E podemos dizer que houve, inclusive, uma bela evolução técnica da banda, sem contar que o equilíbrio existente entre cada aspecto de sua personalidade musical está bem mais evidente.

Não é possível descartar nada em "Wdê Nnãkrada". Nasceu perfeito, e assim merece ser visto.

"Watô Akwe" é uma introdução indígena, quase como se estabelecendo a Alma Mater do trabalho musical do grupo, com suas batidas tribais e cantos indígenas, precedendo "Nhanduguasu", que se inicia de forma agressiva e dura, com riffs distorcidos e vocais rasgados, mas logo surgem as belas vocalizações femininas e momentos mais suaves onde dominam as cordas limpas e percussão. De forma mais introspectiva e bela, temos iniciada "Hêwaka Waktû", que mesmo tendo momentos mais rascantes, é bem climática e recheada de violas caipiras e maracás, cheia de corais indígenas, e perfeita em cada arranjo. Em "Dasihãzumze", mais uma vez a banda lança mão de arranjos mais amenos, focando especialmente na voz melodiosa de Nájila, que é entremeada pela voz limpa de Zândhio e sua viola, e encerra com corais tribais. "Padi", uma das primeiras músicas liberadas para a audição, tem uma mistura de percussões indígenas com riffs agressivos e vocais femininos bem macios, fora baixo e bateria mostrarem muita versatilidade. "Wawã" é uma calma e bela instrumental, mais uma vez com destaque para baixo e bateria, além de lindos arranjos de viola. Já chegando agressiva e com guitarras pesadas, temos "Iwapru", esta uma das mais pesadas e agressivas do disco, com pouco apenas um momento mais calmo, onde se ouve a nítida influência do Chorinho com toques de Jazz, e ao mesmo tempo se vê que a dicção nos vocais agressivos não fica perdida. Mais uma vez em "Nhanderú", vemos o contraste de vozes tribais e feminina, em uma faixa bem mais focada nos aspectos indígenas da banda, mas sem perder a visão sonora do trabalho do quarteto. Um riff agressivo entremeado com acordes em viola caipira inicia a forte "Ipredu", que segue a noção das outras canções, mais vemos a voz de Nájila se assentar sobre os momentos mais pesados sem problema, ao mesmo tempo em que o baixo de Saulo e a bateria de Adriano dão uma tônica forte às mudanças rítmicas, sendo que estes contrastes tão característicos da banda se fazem presentes na envolvente e pesada "Sumarã" (onde vemos arranjos indígenas dentro das partes mais pesadas sem destoarem em momento algum). Fechando o disco, vem "Povo Vermelho", um pouco mais cadenciada e azeda que as anteriores, mas ostentando a mesma técnica e contrastes do álbum.

Óbvio que muitos fãs de Metal vão estranhar "Wdê Nnãkrda", pois não é um trabalho de simples assimilação. Mas contestar sua qualidade e originalidade seria, no mínimo, confessar a própria prisão intelectual na qual o detrator (os famosos mimizentos chatos que reclamam de tudo que não é como eles querem que seja) está algemado. Vosso problema é desconhecer o Mito da Caverna, de Platão.

Um dos melhores discos do ano, sem sombra de dúvidas, pois ousadia e criatividade são as forças motrizes por trás do ARANDU ARAKUAA.





Músicas:

01. Watô Akwe
02. Nhanduguasu
03. Hêwaka Waktû
04. Dasihãzumze
05. Padi
06. Wawã
07. Iwapru
08. Nhanderú
09. Ipredu
10. Sumarã
11. Povo Vermelho


Banda:

Nájila Cristina - Vocais, maracás
Zândhio Aquino - Guitarras, viola caipira, vocais, teclados, maracás, flautas, apito, chocalho de pé
Saulo Lucena - Baixo, backing vocals, maracás
Adriano Ferreira - Bateria, percussão, pau de chuva, maracás


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