9 de out. de 2013

O Inferno é aqui – Entrevista com o IMPERIUM INFERNALE



Por Marcos Garcia

O Black Metal no Brasil sempre foi um estilo que gerou ótimas bandas, e um dos nomes que surgiram nos últimos anos e que ainda vai dar muito que falar é o do IMPERIUM INFERNALE, de São Paulo.

Já com dez anos na bagagem, o grupo lançou no ano passado seu primeiro trabalho, o CD “Primitivo”, que mostra um Black Metal bem agressivo e ríspido, mas com uma gravação bem acima da média, mostrando ser possível conciliar algo voltado às raízes do gênero com uma gravação de ponta.

Aproveitando o momento, tivemos a oportunidade de entrevistar Áscaris, e falamos sobre vários assuntos ligados à banda e mesmo sobre o universo em que ela se encontra inserida.


Metal Samsara: Antes de começar, agradecemos pela entrevista. Vamos começar com uma pergunta já bem esperada: Foram quase dez anos entre a formação do grupo e o lançamento de “Primitivo”, então, que tal nos contar um pouco da história do grupo? E como surgiu a ideia de formar a banda, bem como qual é sua proposta musical e lírica, e em que esta se baseia?

Áscaris: Quando criei o I.I em 2003 a ideia era apenas ter um projeto com uma cara mais minha, com uma influência mais rústica e caótica, visto que na Eternal Malediction o som já vinha se tornando cada vez mais intrincado e eu mal sabia na época como criar ideias para o estilo que desenvolvíamos, mas não era algo sério. Tanto que as duas músicas que compõem nosso Demo-CD (Morte aos Cristãos e Força de Satã) foram criadas como uma coisa mais escrachada, culpa de influências como Impaled Nazare. O tempo passou e apesar das boas repercussões o projeto morreria ali e meu foco se voltaria apenas ao Eternal Malediction que ganhava mais espaço no cenário underground. 

Quando as coisas começaram a ser perder com o E.M, com trocas de formações, desânimo geral com a cena e a entrada do Lopes do Torture Squad (Rafael Augusto Lopes, guitarrista da banda na época), fazendo do E.M um projeto dele, já que o TS seria seu foco, me vi sem rumo, já que não consigo me imaginar fora do Metal Extremo. Foi quando me deu um clique de começar uma banda, naquela linha mais primitiva, que é o pouco que sei criar, mas achei mais fácil seguir com um nome que já tinha vida que começar um do zero. Daí que o I.I ressurgiu. 

Quanto às letras, são bem diversificadas, explorando desde o anticristianismo com ataques diretos de ódio às igrejas, passando por inspirações do cinema, como o filme The Ninth Gate e indo até minha visão dos tempos atuais, do fim dos tempos. E se há uma mensagem nelas, essa mensagem é sem dúvida: "você é seu próprio deus", mas infelizmente a maioria prefere se ajoelhar perante a ficção que encarar a força que tem diante do espelho. 

Áscaris

Metal Samsara: Um dos aspectos mais interessantes do trabalho de vocês é que, mesmo sendo um grupo que busca fazer um trabalho focado nas raízes do Black Metal, bem bruto e agressivo, vemos que o grupo possui contornos melodiosos muito bons, ao mesmo tempo em que buscaram fazer uma gravação de bom nível em “Primitivo”. E isso é algo bem diferente da maioria das bandas do estilo. Como surgiu a ideia de ter uma gravação? E como foi o processo, uma vez que eram apenas você e Morbius gravando?

Áscaris: Nunca gostei de produções toscas. Uma coisa é ser seco ou mais analógico, outra é ser porco, ainda mais intencionalmente. Não ouço bandas assim, não tinha intuito de fazer música assim e Lopes, que foi produtor do disco e seguirá ainda como produtor da banda pegou bem o espírito da coisa e fez um belo trabalho. A gravação foi bem tranquila, com Morbius enviando arquivos à Lopes, depois comparecendo em estúdio para detalhes e eu gravei todos os vocais acho que em dois dias. Já somos 'macaco véio' e a tecnologia só facilita. Já compor "Primitivo" foi um processo longo, sem pressa mesmo, com muita pré-produção para que Morbius e eu tivéssemos nossas ideias encaixadas. Até que chegou uma hora que coloquei pressão na coisa e disse que precisávamos de X minutos de música para dar vida a um álbum e a coisa saiu. Houve uma intenção em criarmos algo com diversas vertentes do Black Metal, desde a oitentista, até a mais trabalhada, mas acho que esse toque melódico foi bem natural, nada pré-programado. Não sei como será daqui pra frente, mas sem Morbius na banda, a tendência é a coisa ir ganhando ares mais diretos. Vamos ver...


Metal Samsara: Ainda falando da formação, soubemos que houve uma alteração há pouco tempo. Já há alguém ocupando o lugar, ou alguém em vista? Deixamos o espaço para você, se desejar, falar com os músicos que estiverem disponíveis.

Áscaris: Sim, Morbius deixou a banda recentemente. Conciliar a vida profissional e pessoal com os intuitos da banda já não vinha mais sendo uma tarefa fácil pra ele. Por menos ativa que a banda seja, tenho planos e metas e elas não seriam executáveis para ele no momento, assim ele achou melhor deixar eu seguir em frente com um músico que possa se dedicar mais à banda. Hoje eu tenho o restante da formação e um novo guitarrista em vista para o lugar de Morbius, porém ainda não conseguimos ajustar algumas coisas, como a necessidade do músico por um novo instrumento, já que o I.I tem uma afinação completamente diferente da banda dele, o que exige a compra de uma nova guitarra para tal afinação e não se "caga" dinheiro para comprar uma guitarra do dia para a noite, ao menos não para uns fodidos do Black Metal como nós. (risos)


Áscaris
Metal Samsara: Voltando a falar do CD, vemos uma capa bem simples, mostrando a fachada ou lateral de um prédio antigo. Poderia nos dizer como chegaram até ela? E o que esta imagem reflete nas letras da banda?

Áscaris: Acho esta foto foi tirada por mim em 2004, não me recordo ao certo, isso no interior de São Paulo. Trata-se de uma igreja que estava trincada de ponta a ponta e havia sido condenada. Eu tinha duas imagens para tornar-se capa do disco e apesar de fechar uma com o Soul Erazer, selo responsável pelo lançamento, achei que essa tinha mais força pelo significado que eu levava à ela em minha memória. Com isso, em minha mente fiz da imagem uma metáfora à queda da igreja católica enquanto instituição, uma queda que vem ocorrendo mesmo, mas infelizmente para a migração de outras religiões cristãs. Esse novo papa (Papa Francisco) veio revitalizar as forças da igreja, mas não sei se ainda há tempo para resgatar os fiéis que eles já perderam. 


Metal Samsara: Ainda falando de letras, óbvio que quem conhece, sabe que o Black Metal tem muito a dizer, logo, qual seria a mensagem contida nelas?

Áscaris: Não quero revolucionar o estilo, nem com as letras e nem com o som. As letras da banda são meu expurgo, pois eu gostaria de apontar o dedo na cara de cada cristão pedindo que me dê uma só prova real e concreta da existência das divindades nas quais eles creem. Muitos me perguntam porque tanto ódio ou porque me incomodo com eles, com os fracos. Mas como não me incomodar quando vivo cercado de pessoas que usam a crença para se acharem acima umas das outras? Como não ter nojo de pessoas que condenam e julgam o que você faz de sua vida tendo como base as palavras de uma ficção? Como não querer agredir aqueles que dizem que eu sou errado por ser descrente quando essas pessoas se acovardam perante à dúvida? Então letras como "Satan's Child" me confortam com a ideia, o desejo e a ilusão de como seria o nascimento de um messias anticristo, um homem que conseguisse de forma clara "sujar" as mentes que foram lavadas pelo cristianismo provando que a bíblia nada mais é que um belo conto de fadas. 


Metal Samsara: “Primitivo” foi lançado em outubro de 2012, e hoje, um ano depois, tem como nos dizer como foi a recepção por parte de crítica e público? Chegaram a atingir com ele aquilo que esperavam com ele, tanto em termos de divulgação da banda quanto de satisfação pessoal?

Áscaris: A recepção foi ótima, ainda mais levando em conta que o Black Metal sofre enorme preconceito, mesmo dentro do Metal. Poderia ser melhor se eu tivesse conseguido levar a banda aos palcos, mas isso é um trabalho a longo prazo e bem complicado. Quanto à satisfação pessoal, posso assumir abertamente que ela nunca foi alcançada e no dia em que for, eu paro de gravar discos, pois é a insatisfação somada ao vício pelo estilo que me inspiram à seguir criando músicas. 


Metal Samsara: Ainda há uma questão: o IMPERIUM INFERNALE soltou o disco, mas não chegamos a saber de shows da banda. Houve algum ou o grupo vai ficar mesmo como uma banda de estúdio, sem pretensões de fazerem shows? 

Áscaris: Isso chegou a ser um dos motivos da saída de Morbius, pois eu tenho intuitos fortes de levar a banda aos palcos e ele não tinha como encaixar isso em sua vida atual. Ou seja, sim a ideia é tocarmos, trouxe outros membros e formei uma banda completa pensando nisso, mas, ao menos aqui em São Paulo, que é de onde somos, a cena é bem fechada, cheia de panelinhas das quais você tem de "lamber as bolas" de alguém para lhe chamarem a tocar e eu não me submeto a tal. Não sou mais um moleque de 20 anos. Estou com 33 nas costas, não vou me sujeitar a isso. Mas felizmente há aqueles que têm sim interesse no IMPERIUM INFERNALE fazer shows e estes estão esperando a banda estar afiada para tal, então agora é só uma questão de tempo até tudo se ajustar e espalharmos nosso grito.


Metal Samsara: É sabido que você, Áscaris, tem vários compromissos profissionais no meio Metal, bem como o baixista Salles, que toca no ETERNAL MALEDICTION, e isso sem falar na vida pessoal, já que infelizmente, é quase impossível de viver de Metal no Brasil. Como conseguem conciliar tantas coisas ao mesmo tempo?

Áscaris: Todos temos outras bandas e projetos musicais. A Eternal Malediction nem mesmo está ativa, mas ainda canto em uma banda de Rock n' Roll, participo do Fanttasma, que é a banda do Lopes, assessoro algumas bandas. Sou jornalista de formação, então ainda escrevo para dois sites e uma revista e por vezes faço textos para meu blog. E claro, tenho mulher, trabalho fixo, família. Às vezes me pergunto como acho tempo para tudo isso e ainda frequentar a noite paulistana. (risos). Salles também toca e encabeça a banda Avec Tristesse que voltou à ativa recentemente, o baterista Impaller montou uma outra banda de Black Metal há pouco tempo, e nosso candidato à guitarra toca em outras três bandas. Acho que todos levam a vida normalmente e dão ao Metal o tempo que sobra. Só eu que me enforco nesse vício mesmo, exercendo desde a música, até a assessoria e chegando às reportagens e resenhas. 



Metal Samsara: Áscaris, sabemos que você é uma pessoa com uma boa visão do mundo que o cerca e de opiniões fortes, mas sempre bem expostas. Gostaríamos de saber o que você pensa da cena Metal atual, do que poderia ser feito para melhorar, e mesmo no que o público do Metal como um todo erra? É fato que o público Headbanger é vasto, mas infelizmente, as coisas não funcionam tão bem como deveriam na cena brasileira.

Áscaris: Não vou mentir, quando comecei no Black Metal, por volta de 96, tudo era muito mais vontade que realidade. Eu já tinha desistido de ser um ídolo do Thrash Metal, como a maioria de nós começou no inicio dos anos 90 e entrei de cabeça no estilo mais filho da puta do Metal (risos). Quando pra mim as coisas ganharam vida mesmo, em 1999, 2000, tínhamos uma nova safra muito boa de bandas, com vários festivais underground e muita amizade e parceria. Na segunda metade dos anos 2000 isso já tinha morrido e só agora sinto nova força no underground. Quando até os "troos", os radicaizinhos se adequaram à internet, obviamente eles também vieram em busca de mais Metal, isso tudo gera uma bola de neve, sites nascendo, blogs crescendo, bandas produzindo mais clipes, festivais com um espaço forte de divulgação, etc. Apesar do lado negativo, principalmente para as gravadoras, acho que o underground vem ganhando forças com a web. Quanto ao Black Metal especificamente, há as panelinhas que citei e a discriminação dentro do próprio cenário Metal, mas quem entra nessa entra sabendo disso, então não vai adiantar ficarmos aqui choramingando. Temos que fazer o nosso e mandar o resto à merda. 


Metal Samsara: Vocês lançaram um vídeo oficial para “A.N.U.S.” pouco antes do CD sair, e teve mais de 1500 visualizações. Poderia ser melhor, óbvio, mas como se sentem com o produto final? Além disso, conseguiram atingir o objetivo com ele? Há planos para algum vídeo novo para breve?

Áscaris: Não há planos. Há desejos, sonhos. Não sei se eu vou ter coragem de fazer um clipe como "A.N.U.S." novamente. Me orgulho do resultado pelas condições nas quais ele foi feito, pois eu fiz absolutamente tudo sozinho, desde a iluminação até a edição, tendo inclusive que filmar a mim mesmo, isso com uma câmera fotográfica digital de 8 MB e a inserção de imagens de dois filmes e um documentário. Foi muito desgastante, pois meu computador nem mesmo aguentava o processo de edição. Então não sei se eu teria coragem de fazer um novo vídeo sem uma estrutura melhor, mas pode me dar uma meia hora de loucura e tentar, não sei... Ideias não me faltam, minha mente é hiperativa, porém só tempo dirá se teremos, e como teremos um novo vídeo. 


Metal Samsara: Agradecemos demais pela atenção, e deixamos o espaço para sua mensagem final e considerações.

Áscaris: O crescimento do Metal Samsara é parte desse desenvolvimento da cena nos últimos anos que citei acima e sei que hoje é um dos blogs voltados ao Metal com maior número de leitores, então, obviamente agradeço o espaço que logo menos se tornará cada vez mais cobiçado entre as bandas. Também devo agradecer à distro Soul Erazer que comprou à ideia de "Primitivo" e o colocou no mercado, além de agradecer a paciência de meus colegas de banda e meu produtor Rafael Augusto Lopes. Em breve lançaremos um single nomeado "Nightstorm" com a faixa homônima e um cover, enquanto isso vamos trabalhando em material para um próximo álbum. 

Deixo aqui meu convite para curtirem a página oficial da banda no Facebook:

E também convido todos a assistirem o clipe de A.N.U.S.:


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